segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Recordar I

faz de
uma pedra
um sol

aperta-a na mão
concha fechada
até sentires o sol
dentro de ti

agita-a como átomo
onda vela
até sentires o barco
que em ti há

vibra-lhe toda a força
do teu mastro
em alavanca

rasgará espaços

quando for sonho
de construir sois a vencer
manhãs de nevoeiro
saberás que
tiveste o sol nas tuas mãos
e porque quiseste o
deixaste
voar

(in Descaminhos de Barcos, Hugin Editores Lda, 2ª edição, Julho de 2000)


Ficou-me de pequeno este infinito prazer de procurar à beira mar ou rio aquelas pedras macias de tão lisas que são capazes de voar por cima da água em saltos prolongados até por fim desaparecerem.
Fazia e faço isto sem conta nas praias por onde passava e passo. Mas a memória mais forte vem das margens do Alva, o pequeno grande rio da memória da minha adolescência, da descoberta, do sonho, da água fria e doce. Estávamos na primeira metade da década de sessenta. Portugal era cinzento mas havia muita coisa que mexia e na sombra brilhava. Seria ainda precisa uma década de luta sofrimento e dor para derrubar a tirania.
Achei o Alva durante as férias passadas em casa da minha avó Adriana, numa pequena aldeia a meio caminho entre Arganil e Pombeiro da Beira.
O prazer maior era ver a pedra que voava do meu braço em alavanca atravessar o rio e do outro lado beijar com estardalhaço as pedras adormecidas. Ou então ficar escondida no musgo da margem com um surdo ruído como um adeus.
Anos mais tarde voltei aos mesmos lugares. E contei histórias doutros tempos aos meus filhos. E lembro-me bem que uma das minhas filhas se mostrou particularmente interessada em aprender a técnica de lançar pedras a saltitar na água e a deixar um rasto de prazer.
Foi depois disso que nasceu o texto que agora passadas dezenas de anos iniciou a série intitulada Recordar.
Uma série aberta aos familiares e amigos e amigos dos meus amigos que aqui queiram deixar uma marca do passado. Alguma coisa que nunca esquecerão.
Aguardo que me enviem o que desejarem.

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