terça-feira, 29 de setembro de 2009

DEPOIS DAS ELEIÇÕES... O QUÊ?

O resultado das eleições legislativas de 27 de Setembro permitiu construir um conjunto de cenários muito interessantes e a merecer reflexão e debate.

Antes que isso venha, felizmente, a acontecer, incluindo a participação de todos os que lerem o que aqui fica escrito, importa avançar com algumas observações pessoais, como que a dar um pontapé de saída na discussão que se seguirá.

Em primeiro lugar há que referir que se tratou do segundo passo de um ciclo eleitoral iniciado com as europeias e que será continuado, a muito curto prazo (duas semanas), com as autárquicas e, a curto / médio prazo (pouco mais de um ano), com as presidenciais. Será o conjunto destes quatro actos eleitorais que marcará, no nosso país, o futuro político próximo que se antevê, desde já, um período de mudança geracional e de rearranjo de forças e de surgimento de outros movimentos, os mais diferentes, alguns deles que já despontaram e até já estão a participar no corrente ciclo eleitoral. Basta esta primeira observação e este primeiro tema que proponho para motivar um debate alargado e profundo, tão necessário no seio da sociedade portuguesa, que motive os mais jovens e os de mais jovem espírito a procurar novos espaços e novas soluções para os novos problemas e desafios. Económicos e sociais, educacionais e ambientais, políticos e sindicais. Mais do que nunca há que analisar o global e agir localmente mas, também, repensar o que está próximo para intervir no que parece distante.

Em segundo lugar há que salientar, em vez de qualquer vitória em especial, a estrondosa derrota eleitoral do PSD. Depois de uma minguada vitória nas europeias, que se deveu mais a deméritos alheios e ao desinteresse repetidamente manifestado pelo eleitorado (que se sente distante e indiferente e que olha para o Parlamento Europeu como se se tratasse de uma espécie de reforma dourada de agentes de segunda), esperar-se-ia (!!??) mais de um partido habituado ao poder e desejoso de o reconquistar, em sintonia, aliás, com o mais conservador, limitado e tacanho Presidente da República pós-Abril. Ao anunciar, durante a campanha eleitoral, que “tinha chegado a hora da verdade”, Manuela Ferreira Leite, sem o saber, jogou tudo e anunciou o seu próprio enterro político e passou, desde já, a palavra e o acto a toda uma geração de jotas que sentem chegada a sua hora.

Em terceiro lugar há que referir a vitória eleitoral do PS. Apenas reconhecida claramente, entre os diferentes protagonistas, diga-se, pela dirigente do PSD, num discurso sem chama de quem pretende sobreviver apenas quinze dias. Era ponto assente que a maioria absoluta não seria possível. Até o próprio Sócrates o reconhece ao chamar “extraordinária” a esta vitória. Perante a incompetência da oposição mais próxima, o eleitorado foi claro a mostrar um cartão amarelo à arrogância, mas a acender ums luz verde de oportunidade a um governo e a um Primeiro-Ministro que, pese os erros e as fragilidades, teve a coragem de enfrentar poderes corporativos instalados (desde a justiça à educação), lobbies acostumados a intervir na sombra (grupos financeiros e económicos), uma crise financeira com raízes imperiais, uma crise económica fruto da globalização selvagem e da falta de controle e de valores que se foram generalizando. O PS ganhou as eleições com maioria relativa. Alguns verão nuvens cinzentas de instabilidade nos anos próximos e, eventualmente, a necessidade de um intercalr confronto eleitoral. Outros, como eu, salientarão as virtudes de uma situação que deverá privilegiar o diálogo político e democrático, o respeito por propostas alheias e pelas diferenças, a procura de soluções para os problemas e de recusa e condenação pelas manobras que passam para criar mais problemas e conflitos para evitar as soluções.

Em quarto lugar há que falar dos que, não ganhando, cantaram vitória na noite eleitoral.

O CDS de Paulo Portas parece o mais vitorioso: recuperou o terceiro lugar no parlamento e, mais do que isso, é a única força à direita capaz de conseguir construir uma maioria com o PS. Entretanto, o PSD andará entretido a digerir os seus próprios conflitos internos e a preparar-se para um novo período oposicionista liderado por jovens ambiciosos e sedentos e apoiados por falcões ainda vivos. Mas o CDS está, também ele, marcado por um destino impiedoso: logo que o eleitorado mais conservador vir no PSD uma alternativa real, juntar-seá ao centrão cinzento e temeroso e colocará o CDS, novamente atrás do PCP e do BE. E tudo isto acompanhado por um dilema de difícil gestão: se apoiar o PS (como fez em anterior e fracassada experiência governativa) tenderá a penalizar-se, à direita, eleitoralmente; se for oposição ao PS (minturando-se com a oposição laranja) tenderá a ser parcialmente degluitdo e abafado, ao centro.

O Bloco de Esquerda aparece triunfante e contente e, também, imagine-se, arrogante. Passará a ter mais um deputado do que o grupo liderado pelo PCP o que, nunca o confessando, corresponde a um antigo objectivo há muito tempo perseguido. Conseguiu, segundo palavras do alto dirigente que mais cedo falou na noite das eleições, uma grande vitória: contribuir para retirar a maioria absoluta ao PS! Tão importante que foi colocada à cabeça de tudo o mais, até da sua própria grande subida eleitoral... Conseguiu duplicar o número de deputados como consequência dos votos recebidos de mais de meio milhão de eleitores. Mas só conseguiria ajudar o PS a ter uma maioria absoluta “à esquerda” com a ajuda do PCP, o que só parece possível em caos pontuais e meramente conjunturais (excepto no caso de aparecer uma alternativa conjunta, em Janeiro de 2011, com uma muito possível e necessária derrota do actual Presidente da República que, nesse caso, passaria à história como o primeiro Presidente, depois de Abril, que não conseguia ser eleito para um segundo mandato de mais cinco anos). O BE tem ainda, entre outros, um desafio claro pela frente: mantendo seu poder mediático e comunicacional e as suas caixas de ressonância bem afinadas nos media e em algumas elites intelectuais, alargar a sua base de apoio social e sindical.

O Partido Comunista Português (tudo muda, não é verdade?) parece não mudar. Ao proclamar, na noite eleitoral, a derrota do PS e a vitória da CDU, o seu líder foi igual a si próprio e a quem o antecedeu e, sabe-se lá, ao seu imprevisível sucessor. Mas, à esquerda do PS, o PCP é a única força global, a que tem, de facto, não apenas peso e poder político, mas também reconhecido poder autárquico e, sobretudo, poder sindical e negocial, poder mobilizador. O PCP tem ainda a virtude de, mantendo um eleitorado fiel, conseguir conquistar respeito e adeptos em franjas sociais, desencantadas com todas as outras alternativas, importantes para o seu futuro político de permanente e lento desgaste eleitoral (jovens, intelectuais, desempregados, revoltados,...).

Em quinto lugar, pela primeira vez, penso eu, uma palavra em eleições legislativas, pelas piores razões, para o que deveria estar acima de tudo isto – o Presidente da República. Com a sua falta de jeito e o seu conservadorismo foi o segundo derrotado, logo a seguir à sua colaboradora de estimação, com quem sonhou, aliás, poder vir a discutir os contornos do futuro governo. Se os eleitorados do PS, do BE e do PCP conseguirem encontrar um candidato às Presidenciais de 2011 que não assuste o centro, o actual PR antecipará, merecidamente, por cinco anos, uma reforma já anunciada.

Em sexto lugar uma palavra para os outros. Os que se organizaram para disputar eleições e que, sistematicamente, são marginalizados durante a campanha e esquecidos quando as urnas estão a fechar. Não fazem parte de sondagens à boca das urnas, muito menos de coberturas televisivas quando todos comemoram vitórias reais ou imaginárias, ou tentam disfarçar ou minorar pesadas derrotas. Pela minha parte gostava de ver alguns deles representados na Assembleia da República. Seria mais Assembleia e mais República. Era bom que aparecessem vozes a falar de esperança, a apontar dedos descomprometidos, a anunciar novos caminhos e, porventura, novas viagens. Mesmo que representem grupos e valores marginais na sociedade portuguesa era bom que conseguissem entrar no forum parlamentar e prestarem contas perante o país e os que neles votaram. Muitas vezes é na sombra que se geram grandes brilhos e no silêncio que se apuram os ouvidos para os mais belos sons.

Em sétimo lugar a abstenção. Vivendo agora num país em que cerca de 20% dos cidadãos com capacidade eleitoral não estão inscritos nos cadernos eleitorais, em que é muito bom que a abstenção seja de 50% nas eleições presidenciais e em que, em todas as outras, a abstenção oscila entre os 80% e os 90%, continuo a olhar para as abstenlões crescentes no panorama europeu como um sintoma de doença grave e que é imperioso não tornar irreversível. A principal responsabilidade está nos políticos que são eleitos pelos que votam, muitos deles que só o são, precisamente, porque a abstenção é elevada. Eles sabem disso. Por isso mesmo, nunca o dizendo, até lhes convem que muita gente fique em casa a ver tv ou a tratar das suas coisas porque, indirectamente, estão assim a trabalhar para que muitos que o não merecem sejam eleitos. Curiosidades e preços que têm de se pagar por viver em democracia... Mas voltemos aos eleitos. Quanto mais baixarem o nível da sua actividade política, mais se atolarem nos vícios dos corredores dos poderes, mais menores e mesquinhos se tornarem, mais se desacreditam e mais desacreditam a política e os que, honestamente, a servem. Mas há também que olhar para o espelho, olhar nos próprios olhos, e termos a coragem de começar por nós próprios. Estudemos, aprendamos, ouçamos, lutemos contra a ignorância e a violência, os maiores males que nos rodeiam. Em cada lugar onde estejamos, tenhamos a capacidade e, também, uma outra coragem, de lutar pelos valores da honestidade e das verdades, do respeito e da tolerância, do combate por ideais.

Por último os brancos e os nulos. Há uns tempos atrás, escritor laureado lembrou-se de afirmar as virtudes do voto em branco. Agora apareceu (veio ter comigo através do facebook) o Partido do Voto Nulo. Considero que há a mesma legitimidade em pelar nestes votos, como em A, B, ou C, ou etc, independentemente dos créditos que nos mereçam. Eu preferiria sempre que mais valia votarem em alguns dos que não são eleitos, como, por exemplo, o Movimento Esperança Portugal. Mas, à parte este comentário pessoal, se um dia acontecesse que, somados os Brancos e os Nulos, fossem maioria, talvez isso significasse que a democracia estava muito muito doente, mas que haveria uma maioria com consciência disso e, porventura, com vontade de combater a doença e construir coisas novas e melhores.

2 comentários:

  1. Estando duma maneira geral de acordo com o que escreveste, discordo da parte em que afirmas que "teve a coragem de enfrentar poderes corporativos instalados(desde a justiça à educação), lobbies acostumados a intervir na sombra (grupos financeiros e económicos)",
    A confrontação com os "poderes da Justiça e Educação", leia-se Juízes e Professores, foi canhestra, mal educada e incompetente. Começou por lhes retirar qualquer competência e prestígio, com regulamentos injustos e impossíveis de pôr em práctica, como o Governo veio mesmo a reconhecer, fazendo marcha atràs ao longo do seu mandato. A Justiça e a Educação estão pior que nunca. Se durante o próximo Governo não houver uma rectificação da "obra feita", é de temer o pior.
    Quanto aos lobbies financeiros e económicos como é que os enfrentou? Não demos por isso. Mantêm todo o poder e utilizam o Governo como entendem.
    Escapou-te a corrupção, que vai de vento em pompa. É só olhar para as derrapagens das obras públicas. (O dinheiro que anda alí pelo meio...) Um abraço amigo. C.Pinho

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  2. Obrigado pelo contributo.
    Como sabes estamos de acordo em muita coisa.
    Ainda bem que há coisas em que divergimos.
    A corrupção é um mal que tem séculos de enraizamento na sociedade portuguesa. Para a combater é necessária muita manobra de vela. Mas há duas coisas que sáo fundamentais: melhores sistemas de justiça e de educação.
    Nunca gostei de arrogâncias e prepotências. É por isso que nunca gostei do estilo de Sócrates. Mas outra coisa é concordar que para ter melhores justiça e educação há que enfrentar muitos obstáculos que existem dentro dos respectivos sistemas. É compreensível que os magistrados tenham um sindicato? É aceitável que os professores queiram estatutos especiais em que não saõ avaliados? Etc, etc...
    Mas tocaste em 3 questões fundamentais. Como vamos reduzir a corrupção e aumentar a justiça e a educação?

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