domingo, 25 de outubro de 2009

ADEUS COM LÁGRIMAS E ATÉ SEMPRE

AO LUÍS, MEU ETERNO AMIGO


Conheci-te andavas na barriga da tua mãe. O teu pai andava longe, à procura de um sonho. Abril tinha sido há pouco tempo. Eu começava muito cedo os meus dias de trabalho na Siderurgia Nacional. Todas as tardes partia para as febris reuniões de salvar a pátria e construir novos caminhos. A palavra revolução andava escrita em cada gesto, em cada momento, em cada bandeira desfraldada. Tínhamos a idade da inocência. Alguns de nós fomos permanecendo assim.

Lembro-me da primeira vez que conheci o teu pai. Obrigou-me a comer sopa no fim de um jantar em que matei a fome empanturrando-me com tudo o que me ofereciam. “Aqui em casa todos comem sopa!” Ficámos Amigos desde então. Todos. Já lá vão mais de 30 anos. Tinhas 32 na noite em que partiste do convívio deste mundo. Continuamos Amigos. Porque fazemos parte da vida de cada um dos que connosco se cruzam e permanecem.

Recordo muita coisa, querido amigo. O teu sorriso que se iluminava quando descobrias qualquer coisa nova. O teu humor precoce. A inteligência que cedo revelavas. Uma sensibilidade invulgar. A arte que punhas nas coisas. A bondade e a coragem que foste mantendo toda a vida. Inquietação, procura, descoberta, como traços de um carácter irrequieto e incansável. Não fui só eu a admirar-te e a aprender contigo. Tocaste tantos outros.

Ensinei-te algumas coisas num tabuleiro de xadrez e, quando me acompanhavam a alguns torneios, tu e o meu filho mais velho, não era para assistirem a umas partidas, mas para participarem nelas. Como me sentia feliz a olhar para vós, o meu filho e tu, que eu amava quase como se meu filho fosses. Os dois sentados em frente do tabuleiro a moverem as pedras e a carregarem nos relógios. E a gente, à volta, a olhar para os putos com admiração. E eu a desfazer-me de prazer.

Foram passando os anos e acontecendo coisas. Previstas e imprevistas. Houve convívios quotidianos e afastamentos mais ou menos prolongados, mais ou menos dolorosos. Mas, em cada reencontro, era a conversa que recomeçava, como todas as cumplicidades e aventuras, os jogos e desafios, as gargalhadas ou as lágrimas. Fomos crescendo assim. Juntos. Mesmo quando separados.

Há uns anos saíste do país onde morrias sufocado. E partiste para as tuas afirmações de homem livre e poderoso e frágil e vitorioso e sofrido. Fui sabendo de algumas coisas. Foste sabendo de mim e de todos. Quando a Web permitiu, recomeçámos o convívio. Servimo-nos dos emails como traço de união. Por último facebookávamos e tornámo-nos vizinhos de farms virtuais. Sonhávamos ainda. E continuamos a sonhar.

Não interessam religiões ou crenças. Não interessa nada mais para lá desta presença que vence todas as ausências. Onde quer que estejas estás aqui tão perto de mim que este ADEUS que te deixo não é mais do que o ATÉ SEMPRE que sempre praticámos.

3 comentários:

  1. Os meus sinceros pêsames, Fernando. Fica sempre a saudade de quem nos é querido, mas a memória não nos deixa esquecer quem sempre esteve e estará no nosso coração. Um abraço. Sandra G

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  2. ...quase sem palavras e com os dedos embargados de emoção, digo apenas a frase célebre que alguém criou: "Um homem não morre quando nunca é esquecido"!
    Um abraço fraterno aos pais do Luís.
    margarida

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  3. Pai,
    Esta é a mais terrível dor que uma mãe ou um pai podem sentir, não tem medida, não tem fim, não tem razão. Deve ser um buraco negro. Nem imagino o sofrimento da Odete e do Correia, tão teu amigo.
    Consigo imaginar a tua dor de grande amigo longe.
    Aqui vai um longo abraço, forte e cheio da tua filha Catarina.

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